29 junho 2014

Hoje sonhei contigo.

O mesmo som frio do copo vazio bate no metal.
A promessa de 10 segundos de calor.
Já não é o calor, nem a companhia.
A esta hora o café é apenas um corredor vazio, mesas de um lado mal encostadas a meia parede de azulejos, balcão do outro.
A mulher gorda descasca batatas para a sopa do almoço e, a seguir, lava pernas de frango e faz o tempêro.
São 7 horas.
Chega uma caixa de bolos de fabrico duvidoso, excessivamente brilhantes.
O rapaz liga a televisão, suspensa por cima da máquina do tabaco.
O tempêro do frango dá-me a volta ao estomâgo, vou à porta.

O céu carregado promete chuva e o chapéu ficou em casa.
Que se foda.
A chuva, o chapéu, a televisão, as batatas descascadas, o tempêro do frango.

Vi a mulher a sair da casa de banho. Anda a custo e recomeça (penso se terá lavado as mãos).
Reparo no intervalo desconfortável entre o botão e o início do fecho da saia. Número errado. Tudo errado. O padrão, a cor, o material, o corpo.
E eu.
Nem sei o que faço aqui, só que tento preencher-me com o que vejo para me manter ocupado.
Talvez devesse dormir mais para os dias passarem depressa mas nunca fui de dormir, nem de pequeno. Cansava-me o tempo perdido, as horas deitado, demasiada quietude, a vida a passar por mim.

Hoje vou ao cemitério onde deixei o meu pai há 6 meses.
Há 6 meses e um dia falámos ao telefone, combinámos um almoço, o meu irmão não podia, seriamos só nós. Pensei em falar-lhe de ti.
Nunca falámos muito da nossa vida, assim muito a sério, mas de ti iria falar-lhe. Sei que sim. Mas não houve almoço a dois.
E agora há estas visitas onde parece que já passou muito tempo mas… parece que o tempo não passa e não cura.
Visitas onde falo o que não falei ou o que há para falar que ainda não existia.

Hoje sonhei contigo, estavas a mudar o óleo ao carro e manchaste a camisa. Ficaste aflito porque não saía e a mãe ía ficar zangada. Como se uma mancha de óleo ou uma camisa valessem alguma coisa.
Hoje sonhei contigo, eu ainda era pequeno e seguravas a bicicleta, no quintal dos avós, para eu não cair nas curvas. Eu virava sempre demasiado o volante.
Hoje não sonhei mas dei comigo a pôr uma garrafa de água no frigorífico, só porque o tempo aqueceu e sei que gostas da água fresca quando chegas a casa.
Tenho medo de me esquecer de coisas simples, como a tua voz.

Hoje vou ao cemitério onde está o meu pai.
O melhor é beber um café e pôr-me a caminho.
Antes que chova.

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