05 julho 2011

Limpo. Limbo.

“Ser bem trajado no escrever é de certo modo um hábito social; uma condição de promoção social; mas a quem não tem como suprema ambição a de ser promovido lhe bastará ser limpo” Agostinho da Silva

Limpo. Limbo.
Almas esterilizadas (aterrorizam-me).
Uma dúzia de Padres-Nossos, outras tantas Avés-Marias e está feito o negócio.
Sais, e não pensas mais no que fizeste.
Limpeza empacotada, pronta a comprar.
Preferes viver numa lixeira?
Não há incineração que te valha.
O que pensas fica às vezes escondido e, quando menos esperas, ataca-te pelas costas, como um cobarde à traição. Sem piedade.
Nem as palavras te ajudam a estancar o sangue. Sujam a folha.
A árvore que abateram, desmembrada, transforma-se na cama de vocábulos inquietos e sem sono. Desordenados.
Não sou limpa.
Imagino o limpo calmo e ponderado. Perfeitamente organizado.
Come, com cuidado, sopa, prato e sobremesa a horas certas, e não gosta de migalhas imprevistas. O limpo veste azul médio perfeitamente engomado e ouve Celine Dion.
Tédio.

Viajo de palavra em palavra, sem rumo aparente.
Ando às voltas mas nunca consigo voltar ao mesmo sítio com a precisão de um GPS.
Assim que me aproximo há qualquer coisa que me leva…
Um som na rua, a respiração ritmada da Nazaré, um cartaz rasgado que tenta sobreviver.
Os travões insuportáveis de um autocarro.
Esta cidade que insiste em seduzir-me.
A tua mão.

Passeio nos teus dedos como se tivesse 17 anos e fosse levantar vôo. Estamos agora deitados de costas, na relva morna, e contamos um ao outro histórias do futuro.
Rimos de tudo, até de nós.
Limpos, rimos da morte.

A nossa torna-se mais fácil, quando já vivemos a (morte) dos outros.
E a Nazaré novamente… “Mãe, podemos morrer de mão dada?” Todos os movimentos congelam perante a ingenuidade transparente da pergunta.
Paralizo.
A rotina desenha rostos anestesiados, invade entranhas. A rotina circular e previsível é uma doença terminal a que quase todos sucumbem.
Não queremos demasiadas surpresas.
Podemos não resistir ao choque de sentir, efectivamente, o sangue que nos corre nas veias.
Viver com rede.
Planear.
Saber o que vai acontecer hoje à noite, amanhã, daqui a uma semana ou um ano.
Aos Domingos almoço de família, às segundas-feiras cinema, e aos Sábados praia e piscina, em fins-de-semana alternados.
Se somos animais de rotinas, o que nos resta?
Flutuam palavras à minha volta.
Rasgar, romper, escandalizar.
Grito.
Fala baixo, que ninguém te ouça. Não te destaques.
Desde que te mantenhas ali mais ou menos a meio da curva de Gauss ninguém te chateia.
Estrangula a rotina.
Retira-lhe o ar,
muito lentamente.
Ela merece sofrer todas as conversas de circunstância que te fez passar.
A única palavra é vida.
Vai.
A noite fez-se má mas tu queres conduzir 600 Km às quatro e meia da manhã, só porque tens uma necessidade visceral de dar um beijo a quem amas.
Vai, e nunca te arrependas.