02 junho 2014

A mulher com braços de luz.

Raramente saía à noite.
De dia procurava refugiar-se na sombra e vestia mangas compridas, mesmo em dias de sol.
Mas não havia sido sempre assim.
A mulher com braços de luz perdera um filho no colo.
De início, uma mudança quase imperceptivel, uma transparência na pele, a leveza de perder matéria a compensar o peso no coração.
Pensava que podia ser apenas uma questão de equilibrio, como nos pratos de uma balança.
Mas em pouco tempo a pele desapareceu e conseguia ver, com clareza, músculos, veias, sangue, ossos e, através deles, o mundo filtrado por essa rotina de quem carrega o veneno gerado no corpo para o purificar com a urgência possível.
A visão dessas trocas tornava-a mais consciente da respiração, dos batimentos cardíacos e, numa dimensão microscópica, dessa invenção a que chamamos tempo quando não temos tempo para nada.
A mulher com braços de luz já não media o tempo, esperava apenas.

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